sábado, 21 de maio de 2016

Herberto Helder - A manhã começa a bater no meu poema



A manhã começa a bater no meu poema.
As manhãs, os martelos velozes, as grandes flores
líricas.
Muita coisa começa a bater contra os muros do meu poema.
Escuto um pouco a medo o ruído das gárgulas,
o rodopio das rosáceas do meu
poema batido pela revelação das coisas.
Os finos ramos da cabeça cantam mexidos
pelo sangue.
Talvez eu enlouqueça à beira desta treva
rapidamente transfigurada.
Batem nas portas das palavras,
sobem as escadas desta intimidade.
É como uma casa, é como os pés e as mãos
das pessoas invasoras e quentes.

Estou deitado no meu poema. Estou universalmente só,
deitado de costas, com o nariz que aspira,
a boca que emudece,
o sexo negro no seu quieto pensamento.
Batem, sobem, abrem, fecham,
gritam à volta da minha carne que é a complicada carne
do poema.

Uma inspiração fende lírios na minha testa,
fende-os ao meio
como os raios fendem as direitas taças de pedra.
Eu sorrio e levo pela mão essa criança poderosa,
uma visita do sangue cheio de luzes interiores.
Acompanho, como tocando uma espécie de paisagem
levitante,
as palavras pessoas caudas luminosas ascéticas aldeias.

É a madrugada e a noite que rolam sobre os telhados
do poema. É Deus que rola e a morte
e a violenta vida. E o meu coração é um castiçal
à beira
do povo que até mim separa os espinhos das formas
e traz sua pureza aguda e legítima.
- Trazem liras nas mãos, trazem nas mãos brutais
pequenos cravos de ouro ou peixes delicados
de música fria.

- Eu enlouqueço com a doçura dos meses vagarosos.

O poema dói-me, faz-me feliz e trágico.
O povo traz coisas para a sua casa
do meu poema.
Eu acordo e grito, bato com os martelos
dos dias da minha morte
a matéria secreta de que é feito o poema.

- A manhã começa a colocar o poema na parte
mais límpida da vida. E o povo canta-o
enquanto se desfaz nos os campos levantados
ao cume das seivas.
A manhã começa a dispersar o poema na luz incontida
do mundo.

Herberto Helder (1961) in «Poesia Toda», Assírio & Alvim


quinta-feira, 7 de abril de 2016

"Mother Love" (Queen)


A música "Mother Love" consta do último álbum da banda britânica Queen, "Made in Heaven". Freddie Mercury ainda gravou parte do álbum antes de morrer, num estúdio onde estive há dias em Montreux - Suíça. A música foi composta por Brian May e foi a última a ser gravada por Freddie Mercury, em 1991. Tendo o álbum ficado incompleto, devido à morte de Freddie Mercury, foi concluídos pelos 3 membros remanescentes da banda, entre 1993 e 1995. O último verso da música "Mother Love" é cantado por Brian May.